quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Um olhar noturno

No último dia 25 de Natal.  Como fazemos semanalmente, há três anos e meio junto com a Caravana Irmã Caridade, nos preparamos para a ronda noturna onde servimos uma janta à população de rua, e nesta noite, uma sacolinha de Natal com camiseta, produtos de higiene pessoal e algumas guloseimas.

Embora feliz pela atividade voluntária e pela generosidade de dezenas de pessoas que doaram os produtos para entrega de Natal, uma tristeza doía na alma.

 Quinze pessoas, quatro carros, porta malas cheio. Fizemos nossa oração e saímos.

 No ponto de ônibus um senhor sentado, cabeça inclinada olhando para o chão. Roupa boa, mas necessitando troca. Abriu a marmita rapidamente e feliz... O que faria ali aquele senhor ultrapassando a meia idade?

Na mesma calçada, sentada no chão com uma criança no colo, outra ao lado, com certeza não era moradora de rua... mas estava ali. Passava das 23h. Ofereci a janta. A mãe agradeceu mas não aceitou. A criança de uns 8 anos olhava fixamente para mim. Então, perguntei: E você já jantou? A criança cheia de espontaneidade aceitou a refeição e a mãe abriu um sorriso aliviada.

 Continuamos nossa ronda. Uma moça magra e grávida andava procurando algo no chão. Oferecemos uma janta. Ela pediu cigarros. Ficamos sabendo que estava grávida de 6 meses. Oferecemos novamente a janta. Ela insiste nos cigarros. Na sacolinha tem salgadinho, suco e um pedaço de panetone, você não quer? Ela, então, aceitou dizendo ser desejo de grávida. Maternalmente alguém disse, coma o arroz com feijão... É disso que seu bebê precisa...Ah... o bebê... precisa de tantas coisas...

Foram vários encontros naquela noite. Um morador de rua com um lindo São Bernardo de 10 meses... Um bêbado que disse que ficaria bom com o nosso café (demos primeiro o café, é claro)... Outro que nos pôs a correr... Um andarilho zumbi que só queria moedas... bem sei de onde vinha a energia para pedir moedas sem se alimentar...

  Por fim, dois últimos casos dos 130 da noite. Um catador de recicláveis passou o dia sem comer. Sua primeira refeição seria àquela na noite do dia 25 de Natal. E uma moça que dividia um beco escuro com outros moradores de rua, ardia em febre... chamamos o SAMU que provavelmente demoraria horas para chegar. Nos oferecemos para levá-la a um pronto socorro...  a moça conformada com os sofrimentos da vida não aceitou e disse que iria amanhã. Não tínhamos o que fazer. Oramos por ela...

No dia 25 de Natal a entrega foi mais triste. Talvez por ser natal, talvez por ser madrugada do dia 26. Talvez pela chuva que já havia caído. Talvez pelos sinos não tocarem naquele momento.

 Na sombra de uma parede, as luzes piscantes de uma fachada dançavam.

Amanhã será um novo dia. Coragem!




Um comentário:

  1. Coragem! Expressão que define e complementa o trabalho realizado.Ao ver cenas aqui descritas,meu coração se entristece, mas penso que a vida material transitória nos mostra quão grande pode ser o nosso aprendizado e qta.coragem necessitamos para não recuar diante de tantas dificuldades .Paz e Luz aos corações que dão e aos que recebem.

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